
DEDILHADOS SUAVES E MANSOS
O proprietário de uma casa neste país, não terá qualquer problema em endividar-se, desde que esta habitação tenha sido construída com benefícios fiscais e lhe tenha sido oferecida de mão beijada, porque nada tem, pouco ou nada trabalha, nada produz, e tudo reclama. Uma empresa, mesmo falida, para continuar em actividade neste mesmo país, poderá também sobreviver com perdões fiscais, sendo administrada por um político filiado, do poder ou não, que tudo tem, pouco ou nada trabalha, nada produz, e tudo reclama.
A outra grande semelhança que existe entre estes dois é o facto de nenhum deles ser responsabilizado pelas burrices que cometeu ou que comete. O primeiro porque continua a fazer o que lhe dá na real gana. Não tem qualquer prejuízo no seu bolso vazio, ou na sua promoção de carreira profissional que a maior parte das vezes não existe. Por isso, este não tem absolutamente nada a perder. E o segundo… Também! Só que mesmo assim lhe chovem depois as promoções meritórias (?), por ele legisladas, que lhe irão ser conferidas também através de excelentes e precoces reformas sociais pela sua ilustre e brilhante (?) carreira politica.
Mais uma grande semelhança que existe entre ambos é que os dois são polivalentes no desempenho dos seus ofícios. O primeiro é capaz de fazer de pedreiro, de pintor, de electricista, de lavrador, de canalizador, de cantor pimba, de pescador, de segurança num bar nocturno, etc. Excepcionalmente, com algumas cunhas, alguns até conseguem chegar a pequenos empresários e comerciantes de produtos que garantem o emprego e o ordenado a muitos advogados, juízes, médicos e psicólogos, o que é óptimo! O segundo percebe de advocacia e legislação, de pintura clássica, de obras públicas, de aviação, de música, de escultura, de telecomunicações, de economia, de administração bancária, etc. Às vezes, também com algumas cunhas, consegue mesmo chegar a grande empresário e administrador de importantes instituições e, é claro, garante também o emprego e o ordenado a muitos recém-formados e promissores jovens doutores, o que também é óptimo!
O grande problema é que existem outros que, por enquanto, são a maioria: os que ainda pouco ou alguma coisa têm, mas que trabalham e tudo produzem sem reclamar, e que, por incrível que pareça, ainda sustentam os primeiros e os segundos! Alguns, a pouco e pouco vão se afundando e entulham-se com os primeiros. Outros, os alisadores, impulsionados por uns duvidosos mas felizes empurrões, rolam para a bola de neve dos segundos. Ambos vão deixando um enorme e declinado fosso vazio que um dia acolherá os destroços de uma colisão inevitável entre os dois e, dos sobreviventes, irá renascer uma outra forma de viver seguramente mais humana, mais feliz, mais realista e mais justa neste meu país.
Nesta altura, a minha humilde guitarra para sempre já se calou! Fartou-se de vibrar com soluços incompreendidos. Orgulho-me dela pela sua persistente forma educada e sensível que tem de soltar os seus pianos trinados. Já lhe confidenciei, que enquanto me crescerem as unhas, irei sempre soltar-lhe os lamentos, embora de surdina! Naturalmente será porque, quando a encosto ao peito, lhe vou transmitindo de uma forma meiga o que me sai do coração, apenas com dedilhados suaves e mansos.
Alfredo Gago da Câmara
O proprietário de uma casa neste país, não terá qualquer problema em endividar-se, desde que esta habitação tenha sido construída com benefícios fiscais e lhe tenha sido oferecida de mão beijada, porque nada tem, pouco ou nada trabalha, nada produz, e tudo reclama. Uma empresa, mesmo falida, para continuar em actividade neste mesmo país, poderá também sobreviver com perdões fiscais, sendo administrada por um político filiado, do poder ou não, que tudo tem, pouco ou nada trabalha, nada produz, e tudo reclama.
A outra grande semelhança que existe entre estes dois é o facto de nenhum deles ser responsabilizado pelas burrices que cometeu ou que comete. O primeiro porque continua a fazer o que lhe dá na real gana. Não tem qualquer prejuízo no seu bolso vazio, ou na sua promoção de carreira profissional que a maior parte das vezes não existe. Por isso, este não tem absolutamente nada a perder. E o segundo… Também! Só que mesmo assim lhe chovem depois as promoções meritórias (?), por ele legisladas, que lhe irão ser conferidas também através de excelentes e precoces reformas sociais pela sua ilustre e brilhante (?) carreira politica.
Mais uma grande semelhança que existe entre ambos é que os dois são polivalentes no desempenho dos seus ofícios. O primeiro é capaz de fazer de pedreiro, de pintor, de electricista, de lavrador, de canalizador, de cantor pimba, de pescador, de segurança num bar nocturno, etc. Excepcionalmente, com algumas cunhas, alguns até conseguem chegar a pequenos empresários e comerciantes de produtos que garantem o emprego e o ordenado a muitos advogados, juízes, médicos e psicólogos, o que é óptimo! O segundo percebe de advocacia e legislação, de pintura clássica, de obras públicas, de aviação, de música, de escultura, de telecomunicações, de economia, de administração bancária, etc. Às vezes, também com algumas cunhas, consegue mesmo chegar a grande empresário e administrador de importantes instituições e, é claro, garante também o emprego e o ordenado a muitos recém-formados e promissores jovens doutores, o que também é óptimo!
O grande problema é que existem outros que, por enquanto, são a maioria: os que ainda pouco ou alguma coisa têm, mas que trabalham e tudo produzem sem reclamar, e que, por incrível que pareça, ainda sustentam os primeiros e os segundos! Alguns, a pouco e pouco vão se afundando e entulham-se com os primeiros. Outros, os alisadores, impulsionados por uns duvidosos mas felizes empurrões, rolam para a bola de neve dos segundos. Ambos vão deixando um enorme e declinado fosso vazio que um dia acolherá os destroços de uma colisão inevitável entre os dois e, dos sobreviventes, irá renascer uma outra forma de viver seguramente mais humana, mais feliz, mais realista e mais justa neste meu país.
Nesta altura, a minha humilde guitarra para sempre já se calou! Fartou-se de vibrar com soluços incompreendidos. Orgulho-me dela pela sua persistente forma educada e sensível que tem de soltar os seus pianos trinados. Já lhe confidenciei, que enquanto me crescerem as unhas, irei sempre soltar-lhe os lamentos, embora de surdina! Naturalmente será porque, quando a encosto ao peito, lhe vou transmitindo de uma forma meiga o que me sai do coração, apenas com dedilhados suaves e mansos.
Alfredo Gago da Câmara